segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Sem título.

Teriam pouco tempo, menos de vinte e quatro horas. Vinte e uma horas e quarenta e cinco minutos, mais precisamente. Nas duas primeiras horas, conversaram sentados num café, enquanto bebiam, ele gin tónico, ela martini. Ela falava imenso, ele sorria em silêncio. Por vezes, soltava uma gargalhada sonora. Ela continuava a falar até que se calava de súbito e, enquanto lhe fixava o rosto, pedia-lhe que falasse, que dissesse alguma coisa. Ele sorria novamente e permanecia mudo, ela suspirava e baixava o olhar para o copo meio vazio. Pedia-lho bastantes vezes, que falasse. Não que o seu silêncio lhe doesse ou a assustasse, apenas gostava de o ouvir. Algo mudava a uma certa altura porque ele quebrava, sem aviso, aquele momento ausente de palavras. Contava-lhe das ruas de uma cidade que ela mal conhecera, da vida que pulsava em cada metro quadrado daquele espaço físico onde ele vivia. Contava-lhe do céu, aquele céu de um azul impossível, o mesmo céu que ela imaginava de olhos abertos. Contava-lhe estas e outras coisas com paixão. E ela sentia-se apaixonar mais a cada minuto.

Já em casa, enquanto jantavam e bebiam vinho, conversaram de coisas mais sérias. Quase discutiram. Beberam o resto do vinho enquanto fumavam, sem saberem ao certo que (mais) dizer. Deitaram-se em silêncio. Foderam em silêncio. Adormeceram em silêncio, rendidos ao sono e ao álcool.
Ela acordou com as mãos dele nas suas coxas. Sentia-lhe a respiração no pescoço. Abriu os olhos. Era dia. Teriam passado umas cinco horas, não mais que seis. O sol não chegava a entrar no quarto. Morria na portada de madeira branca entreaberta, deixando o quarto iluminado por uma claridade tímida e suave.
Foderam novamente. Passaram assim o resto da manhã. Comiam-se, fumavam, ele bebia cerveja, nas primeiras horas do dia ela preferia café e sumo de laranja, fumavam novamente, olhavam-se, ele segurava-lhe o rosto entre as mãos e beijava-a demoradamente, faziam planos, fumavam (mais) um cigarro, falavam do que havia de ser, fodiam, ora de uma forma delicada, ora com o desespero de dois condenados, e descansavam abraçados.
Nessa manhã, ela sentiu por ele um desejo crescente. Não que não o desejasse antes mas, nessa manhã, o desejo tinha-lhe florescido na carne com certa violência. Não que o desejo fosse apenas no plano físico. Como ela constataria horas depois, já sozinha na sua casa, a necessidade que sentia da sua carne era, na realidade, uma forma (julgava ela) de matar a fome que tinha dele.  

Nos restantes minutos, quando a tristeza da despedida parecia cobrir o quarto de sombras, ela vestiu a roupa da véspera. Sairam apressadamente. Despediram-se sem dizerem adeus.

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