quinta-feira, 23 de junho de 2011

Lembro-me de ser tão pequena que a tua cabeça mal me cabia no colo, não conseguia abarcar-te a cara toda com as mãos, afinal, era tão difícil, limpar-te os olhos raiados de sombras vermelhas, embalar-te com os joelhos trémulos, enquanto te murmurava que tínhamos que sair dali, que essa era a única porta que poderíamos abrir, repetia-te isso baixinho, tirava uma ou outra melena negra que insistia em cobrir-te o rosto húmido e cansado, repetia vezes sem conta, como uma canção gasta pelo tempo, como quem reza uma oração qualquer, sabe-se lá a quem ou para quem, como um grito que morre na garganta, ainda antes de sair pela boca.
Eu sei que agora me falta o jeito, perdoa isso, para servir de consolo à tua dor, para te lamber as feridas que se tornaram minhas e tão minhas.  Deve ter sido o facto de todas as tuas dores me terem doído tanto e por tanto tempo, no coração, na carne, nas veias e no sangue que também correu por ti, que me tornou neste enorme vazio.
Pergunto-me se terei perdido naturalmente essa capacidade ou se foi o tempo, os ventos e tempestades, que me abriram sulcos aqui dentro, sim, deves conseguir vê-los bem com as pontas dos dedos, arrancando todas as raízes que me prendiam de certa forma e de forma incerta a ti.
Agora, perdoa.
Já não posso chorar-te. 



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